Ilana Pinsky, psicóloga e pesquisadora, estuda saúde mental e sua relação com a sociedade. A literatura científica destaca a importância de orientar famílias sobre diagnósticos de saúde severos.
Meu paciente João tinha apenas 10 anos quando sua mãe foi diagnosticada com um câncer agressivo. Nunca lhe explicaram a gravidade da situação. Durante a internação de quase um ano, João não foi levado nenhuma vez ao hospital para vê-la. A única comunicação que recebeu foi um bilhete informando que a mãe voltaria em breve para casa, o que, de fato, nunca aconteceu.
Na última conversa que tivemos, João expressou sua tristeza pela falta de comunicação adequada durante o período difícil que enfrentou. Ele destacou a importância de uma conversa honesta e aberta em situações delicadas como aquela. A partir desse momento, trabalhamos juntos para melhorar a comunicação em sua família, visando fortalecer os laços e promover um ambiente mais acolhedor para todos.
Comunicação na Família: Importância e Desafios
Após a morte, a família, incluindo o pai, não abordou o assunto de forma clara. Foi como se a mãe dele tivesse desaparecido no ar. Por que as coisas se passaram assim? Talvez a família pensasse que, dessa forma, estaria poupando o menino de sofrimento. Talvez julgasse que ele não percebia o que se passava à sua volta. Pode ser que os adultos estivessem tão envolvidos com a própria dor que não tenham considerado o pequeno espectador ao lado. O fato é que, aos 25 anos, Alexandre ainda enfrenta o desafio de processar o acontecido e continua a viver o luto pela perda da mãe.
Diagnósticos severos, ameaçadores à vida ou crônicos são uma realidade frequente para pais de crianças e adolescentes em todo o mundo. Nos Estados Unidos, estima-se que 14% das pessoas diagnosticadas com câncer têm filhos menores de idade. No Japão, 56 mil novos pacientes com câncer diagnosticados por ano têm filhos ainda dependentes.
Embora diagnósticos severos de saúde dos pais impactem a família toda, tradicionalmente o foco é no paciente, deixando em segundo plano a comunicação para outros membros da família, particularmente filhos menores de idade. A literatura sobre esse gap relata essa atitude não só com relação ao câncer. Essa conduta também se dá diante de várias outras condições como esclerose múltipla, anemia falciforme, HIV, depressão.
A necessidade de orientar famílias sobre como comunicar situações de saúde complexas impulsionou uma área específica de pesquisa. Entre os principais grupos dedicados a essa questão está o departamento de Psiquiatria de Oxford, na Inglaterra. Esse grupo não apenas publica estudos significativos, mas também organiza materiais e workshops para apoiar pais, famílias e profissionais de saúde.
Há alguns anos, pesquisadores e clínicos de Oxford, em parceria com colegas de universidades ao redor do mundo de países desenvolvidos e em desenvolvimento, reuniram-se para publicar uma série de diretrizes sobre a comunicação entre profissionais de saúde, pais e filhos menores de idade sobre doenças graves dos pais.
Existem várias razões para incluir os filhos na transmissão de informações sobre as doenças de um genitor. Discordando de pensamentos mais tradicionais, as crianças são altamente perceptivas e notam alterações na rotina da casa, mudança no comportamento dos pais, surgimento de medicamentos e as sistemáticas visitas a médicos. Sentem ainda a tensão no ambiente, percebendo que algo está errado, mesmo que não compreendam completamente a situação.
Sem informações claras, elas tentam entender por conta própria o que está ocorrendo, frequentemente criando cenários mais terríveis do que a realidade. Além da experiência clínica, a literatura científica aponta que esclarecimento correto sobre a doença de um dos pais pode fortalecer a confiança dentro da família e melhorar o bem-estar emocional. Sem romantizar essa difícil.
Fonte: @ Veja Abril
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