Machado não assumiu identidade racial em documento escrito; intelectual contemporâneo recusou engajamento antirracista óbvio, mantendo debate fundamental.
‘Machado de Assis me ensinou como ser um homem negro’. A declaração é de Jeferson Tenório, escritor e professor, premiado com o Prêmio Jabuti de 2021 por ‘O Avesso da Pele’. Entre os diversos significados que ‘negro’ pode abarcar, o autor contemporâneo rejeitou aqueles que sugerem inferioridade.
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, deixou um legado que ultrapassa fronteiras. Sua obra continua a inspirar gerações, mostrando que a genialidade não tem limites. A influência do escritor brasileiro se faz presente em diferentes aspectos da cultura nacional.
Machado de Assis: O Maior Escritor Brasileiro
É de se esperar, portanto, que tenha como referência aquele que é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Machado de Assis, um escritor brasileiro icônico, nasceu há exatos 185 anos. Sua vida e obra sempre geraram debates dos mais variados, o que prova a complexidade de ambas. O legado intelectual deixado por Machado de Assis é inegável, sendo um dos maiores nomes da literatura mundial.
Há pelo menos uma década, ganharam proeminência a afirmação de uma identidade negra e a identificação de um tipo menos óbvio de engajamento antirracista. A contribuição de Machado de Assis para o debate antirracista é fundamental, sendo um ponto de destaque em sua trajetória como intelectual. Seu posicionamento em relação a questões sociais e raciais foi crucial para a época em que viveu e continua relevante nos dias atuais.
Para pesquisadores negros, é fundamental manter o debate em destaque, por evidenciar questões que ainda têm força no presente. A presença de Machado de Assis nesse contexto é essencial, pois sua obra e posicionamento continuam sendo referências para o debate antirracista. Sua identificação como um escritor negro é um ponto de partida para compreender a complexidade de sua herança cultural e social.
‘Causa espanto que em 2024 a gente ainda tenha que provar que ele era um escritor negro’, afirmou Jeferson Tenório, durante participação no seminário ‘Machado de Assis e a questão racial’ promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). A discussão sobre a identidade racial de Machado de Assis ainda gera controvérsias, mas sua importância como escritor brasileiro é inquestionável.
Até o momento, não se conhece documento escrito pelo próprio Machado em que assuma uma determinada identidade racial. A falta de evidências diretas sobre a autoidentificação de Machado de Assis levanta questionamentos sobre sua posição em relação à questão racial. Sua obra, no entanto, reflete nuances e reflexões que permeiam as discussões contemporâneas sobre identidade e raça.
Que ele tenha sido negro é uma premissa dos pesquisadores a partir de, pelo menos, quatro questões: ascendência, fotografias, depoimentos de terceiros e contexto sociopolítico. A análise desses elementos históricos e culturais aponta para uma possível identificação de Machado de Assis como um homem negro, o que amplia a compreensão de sua obra e legado.
Imagens dele em idade mais avançada, apesar de serem em preto e branco, mostrariam traços e tons mais próximos de uma pele negra. Esses indícios visuais reforçam a discussão sobre a identidade racial de Machado de Assis e sua representatividade como um escritor negro em um contexto histórico específico. A interpretação de sua imagem é parte integrante do debate sobre sua herança étnica e cultural.
Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora e diretora do Arquivo Nacional, considera como mais emblemático uma carta enviada para Machado em 1871 pelo escritor Antônio Cândido Gonçalves Crespo. O diálogo entre Machado de Assis e seus contemporâneos revela nuances sobre sua identidade e posicionamento social, contribuindo para uma compreensão mais ampla de sua figura como intelectual e escritor.
O autor escreve: ‘A Vossa Excelência já eu conhecia de nome há bastante tempo. De nome e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era de cor como eu’. A troca de correspondências entre Machado de Assis e seus pares evidencia as complexidades de sua identidade e as percepções de sua época sobre questões raciais e sociais. Esses registros históricos são fundamentais para contextualizar sua figura e legado.
Nenhuma carta dele para Crespo foi encontrada. A ausência de respostas diretas de Machado de Assis sobre sua identidade racial deixa lacunas na compreensão de sua autopercepção e posicionamento em relação às questões raciais de sua época. A investigação desses silêncios e omissões revela aspectos intrigantes sobre a complexidade de sua identidade e legado.
Para a historiadora, também se destaca a maneira como Machado apoiava frequentemente outros homens negros ou ‘de cor’, como era mais comum chamar à época os que não eram brancos. O engajamento de Machado de Assis em questões sociais e raciais, apoiando e colaborando com outros intelectuais negros, evidencia sua postura antirracista e seu papel como agente de mudanças em sua sociedade. Essa rede de apoio e solidariedade é parte essencial de sua contribuição para o debate sobre raça e identidade.
‘Machado de Assis, ao longo de sua trajetória, fez-se um grande apoiador de outros homens de cor como ele. Uma forma de desqualificar a postura de Machado em relação à ascendência africana, é justamente dizer que ele teria se afastado de suas origens, que não teria se envolvido com os debates acerca dos destinos dos africanos e descendentes no Brasil’, disse a historiadora em seminário na ABL. O legado de Machado de Assis como defensor dos direitos e da dignidade dos negros é um aspecto fundamental de sua obra e atuação como intelectual engajado em questões sociais.
‘Encontrei José do Patrocínio em seus textos agradecendo a participação de Machado de Assis pelas lutas abolicionistas’. Ana Flávia destaca a contribuição de Machado de Assis para as causas abolicionistas e seu engajamento ativo em prol da liberdade e igualdade para a população negra. Sua atuação como aliado e defensor dos direitos dos negros é um legado importante que ressalta sua importância como figura antirracista em um contexto histórico desafiador.
Ana Flávia diz ser um mito que Machado de Assis quis se passar por branco e não se interessou pelos sentidos da liberdade e do racismo, temas que mobilizaram a sociedade à época. A análise crítica da vida e obra de Machado de Assis revela um intelectual comprometido com as questões sociais e raciais de seu tempo, cujo legado transcende as fronteiras do Brasil e continua inspirando novas gerações a refletir sobre identidade, raça e justiça social.
Fonte: © CNN Brasil
Comentários sobre este artigo