O juiz deve motivar suas decisões para garantir o contraditório e a ampla defesa, evitando formalismos e assegurando elementos probatórios efetivos.
A responsabilidade do magistrado em justificar suas decisões é um direito processual fundamental e desconsiderar isso implica em desvalorizar o contraditório e a ampla defesa como mera formalidade. A partir desse princípio, de forma espontânea, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) anulou, por falta de fundamentação, uma decisão que absolveu de imediato dois policiais militares acusados de um homicídio consumado e uma tentativa de homicídio.
No segundo momento, a deliberação do TJ-BA ressalta a importância da argumentação clara e objetiva para embasar um veredito justo e legítimo. A revisão da decisão anterior destaca a necessidade de garantir que as decisões judiciais estejam fundamentadas de forma a assegurar o devido processo legal e a efetivação da justiça.
Decisão sobre o caso dos homens baleados na Bahia
No que tange aos indícios de autoria criminosa, a deliberação se concentrou em indicar – por meio de um único parágrafo composto por apenas dois períodos – que ‘as provas produzidas revelam a suscitada excludente de ilicitude da legítima defesa própria e de terceiros’, sem, no entanto, identificar, mesmo que minimamente, quais os efetivos elementos probatórios que serviram de base a tal conclusão, conforme veredito unânime. Os crimes ocorreram em meio a um desentendimento em um bar no bairro Mussurunga, em Salvador, durante a madrugada de 5 de fevereiro de 2021. Dois homens foram alvejados pelos policiais militares.
Mesmo ferido, um dos indivíduos conseguiu adentrar em seu veículo e o conduziu até um hospital, onde foi salvo graças ao atendimento médico prestado a tempo. Já o outro, atingido na região torácica, não teve a mesma sorte e veio a óbito no local. O representante do Ministério Público (MP) solicitou a dispensa dos interrogatórios dos policiais em juízo e defendeu a absolvição de ambos em suas alegações finais.
Em uma sentença de duas laudas, o juiz Paulo Sérgio Barbosa de Oliveira, da 1ª Vara do Júri da capital baiana, concluiu que os acusados agiram em legítima defesa e os absolveu com base no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP). Segundo a norma, ‘o juiz, de forma fundamentada, absolverá imediatamente o acusado, quando comprovada uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime’.
No entanto, a desembargadora Ivone Bessa Ramos, da 1ª Câmara Criminal da 1ª Turma do TJ-BA, considerou a justificativa insuficiente. Ela foi a relatora do recurso de apelação apresentado pelo advogado designado pelo sobrevivente para atuar como assistente da acusação. O apelante argumentou que as vítimas estavam desarmadas e os réus não agiram em legítima defesa, defendendo que fossem pronunciados e submetidos a júri popular.
Em suas contrarrazões, os advogados dos policiais militares solicitaram a rejeição da apelação e a manutenção integral da sentença que os absolveu. Devidamente notificado, o MP informou não ter nada a acrescentar. Ivone Ramos considerou prejudicada a análise do mérito da apelação, devido a um ‘vício irreparável’ na motivação da sentença. Diante desse cenário, a relatora determinou a declaração, de ofício, da anulação da absolvição sumária dos réus, por falta de fundamentação, para que uma nova decisão seja proferida em seu lugar.
A Procuradoria de Justiça havia se posicionado nesse sentido. Conforme a relatora, se fosse eliminada a exigência de fundamentação das decisões – conforme previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, e artigo 381, III, do CPP -, não seria possível distinguir aquelas resultantes do livre convencimento motivado do julgador daquelas decorrentes de seu mero arbítrio. Além disso, a capacidade de controle efetivo, especialmente por meio de recursos, seria comprometida. A magistrada acrescentou que a fundamentação da sentença, como garantia, é essencial para a validade do processo decisório.
Fonte: © Conjur
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