Impor fé alheia com discurso superior desqualifica crenças, gera intolerância e violência verbal simbólica, afetando convicções religiosas e intranquilidade social.
A manifestação de intolerância religiosa é um grave problema que afeta a convivência em sociedade. Quando indivíduos tentam impor suas crenças sobre os outros, desqualificando as diferentes formas de pensar, ocorre um desrespeito que fere a liberdade de expressão e de culto. Nesse sentido, é fundamental combater atitudes que promovam a intolerância religiosa e garantir o respeito mútuo entre as diversas religiões.
O ataque à liberdade religiosa por meio de discursos de ódio, preconceito religioso ou discriminação religiosa não pode ser tolerado em uma sociedade democrática. A decisão do juiz Douglas de Melo Martins, ao condenar os responsáveis por danos morais coletivos, reforça a importância de coibir práticas que firam os direitos fundamentais dos cidadãos. É essencial promover a diversidade religiosa e o diálogo inter-religioso para construir uma sociedade mais justa e inclusiva.
Intolerância Religiosa: Manifestações de Preconceito e Discriminação
‘Eles realizaram uma demonstração em frente a um local de culto de candomblé na cidade maranhense com o objetivo de ‘exorcizá-lo’. O local de culto de candomblé foi alvo de intolerância religiosa no Maranhão. ‘A intensidade das demonstrações emanadas pelos acusados não parece ser apenas uma tentativa de conversão, pois os slogans tentam transmitir uma hierarquia entre as crenças, baseada em uma suposta superioridade religiosa por parte dos acusados’, observou Martins. Ele considerou válida a ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão. Segundo o juiz, houve uma ‘situação séria de agitação social, causando danos significativos no campo moral da comunidade, muito além do limite da tolerância’. Conforme a petição inicial, sob a liderança dos acusados, um grupo de membros de duas igrejas organizou uma demonstração em frente à Casa Fanti-Ashanti durante uma celebração em homenagem ao orixá Ogum. Com uso de um carro de som, faixas e distribuição de panfletos, os réus anunciaram a intenção de ‘expulsar os demônios’. As imagens mostram que eles estenderam as mãos segurando Bíblias para ‘exorcizar’ o local de culto de matriz africana e seus seguidores. ‘Houve, de fato, um comportamento intolerante, sob a forma de agressão verbal e simbólica, contra as convicções religiosas da Casa Fanti-Ashanti’, concluiu o magistrado. Ele baseou a sentença no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, que garante a igualdade de todos perante a lei e declara como ‘intocável a liberdade de pensamento e de crença, sendo garantido o livre exercício dos cultos religiosos e protegidos, conforme a lei, os locais de culto e suas liturgias’. A decisão também menciona outros dispositivos constitucionais, como o artigo 3º, inciso IV, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Já o artigo 5º, inciso XLI, determina que a lei punirá qualquer discriminação que viole os direitos e liberdades fundamentais. Por fim, o artigo 19, inciso I, consagrou o caráter laico do Estado. Segundo o juiz, a Constituição concedeu ao Estado sua condição laica, de modo a não favorecer a verdade de apenas uma religião, mas buscando garantir a existência do pluralismo religioso. Martins acrescentou que, apesar de o Brasil ser majoritariamente cristão, ele é marcado por uma forte presença do sincretismo religioso: ‘As religiões afro-brasileiras fazem parte da identidade cultural do país’. Como forma de reforçar ainda mais a validade da ação civil pública, o juiz lembrou que o artigo 208 do Código Penal caracteriza as condutas de ‘zombar publicamente de alguém por motivos de crença ou função religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; desrespeitar publicamente ato ou objeto de culto religioso’. O artigo 20 da Lei 7.716/1989, por sua vez, considera crime de racismo o ato de ‘praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional’. A intolerância religiosa é um ataque à liberdade religiosa e à diversidade de crenças, gerando intranquilidade social e desqualificando a pretensa superioridade de uma religião sobre outra. As manifestações de intolerância religiosa devem ser combatidas com firmeza, a fim de garantir o respeito mútuo e a convivência pacífica entre diferentes convicções religiosas.
Fonte: © Conjur
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